10 janeiro, 2007


Yes, nós não temos mais Braguinha


A música popular brasileira que há muitos anos é bombardeada por ritmos alienígenas, compositores medíocres e cantores picaretas, perdeu um dos seus maiores representantes. João de Barro, Braguinha, que faleceu no último dia 24 de dezembro, três meses antes de completar cem anos. Braguinha seria o primeiro compositor brasileiro a alcançar este feito, mas quis o destino que a história fosse diferente e na última hora mudou o roteiro. Na verdade Deus queria mesmo é que Braguinha fosse logo ficar com ele para que o compositor cantasse exclusivamente Touradas em Madri, As pastorinhas e até mesmo Copacabana e Mane Fogueteiro.

Uma das mais significativas canções do genial compositor Noel Rosa propala que “batuque é um privilégio, ninguém aprende samba no colégio”*, no entanto, no caso do então estudante Carlos Alberto Ferreira Braga a história foi bem diferente. Foi na época de colégio que o futuro João de Barro conheceu o músico Henrique Brito, que lhe ensinaria os primeiros acordes. Mais tarde ambos participariam, ainda como amadores, do grupo “Flor do Tempo”, assim chamado em homenagem à casa de um amigo do grupo que batizou a residência com este nome.

A família do jovem Braguinha não aceitava a idéia de alguém viver de música, pois achava que ficar por aí tocando violão era serviço de vagabundo. Mas o jovem fora fisgado definitivamente e por isso,para não contrariar os pais, adotou o pseudônimo João de Barro, nome pelo qual ficaria conhecido no meio musical, assim como Braguinha, pelos mais íntimos.

Ao lado dos amigos e parceiros Noel Rosa, Almirante e Henrique Brito, como profissionais, fundaram o Bando dos Tangarás. No entanto, o destino do compositor João de Barro era mesmo brilhar, mas brilhar em carreira solo com os primeiros sucessos do carnaval de 1933 como: Trem blindado (1932)

Meu bem pra me livrar da matraca/Da língua de uma sogra infernal/Eu comprei um trem blindado/Pra poder sair no carnaval (...)

Ou ainda Moreninha da praia (1932)

Moreninha querida/Da beira da praia/Que mora na areia/Todo o verão/Que anda sem meia em plena avenida/Varia como as ondas do teu coração/A tua ardência é o que me assombra/Tu tens quarenta graus à sombra (...)

Mesmo sem conhecimentos formais de música, compondo na base do assovio, Braguinha se transformou num campeão da folia, especializado em marchinhas como Linda lourinha, Uma andorinha não faz verão, Dama das Camélias, Balancê, que nos anos oitenta seria gravada por Gal Costa reeditando o sucesso, Pirata da perna de pau, Chiquita Bacana, marchinha que projetou a eterna Rainha do Rádio Emilinha Borba, e ainda Touradas em Madri, cantada por um Maracanã em festa na goleada do Brasil sobre a Espanha, na fatídica Copa de 1950.
Touradas em Madri (1938)

Eu conheci uma espanhola natural da Catalunha/Queria que eu tocasse castanholas e pegasse touro à unha/Caramba, caracoles/Sou do samba, não amoles/Pro Brasil eu vou fugir.../Isso é conversa mole pra boi dormir!

Na década de 30, participou como diretor e roteiristas de filmes como Estudantes (1935), Alô, alô, carnaval (1936), Banana da terra (1938),e Laranja da China (1940), todos musicais precursores das chanchadas que misturariam números musicais com correria, humor, muita pancadaria e romance. João de Barro atuou também como diretor artístico da gravadora Continental onde projetou nomes como Radamés Gnattali, Tom Jobim, Dóris Monteiro, Nora Ney, Jorge Goulart, Jamelão, Lúcio Alves e Dick Farney.

Reza a lenda que Lúcio Alves, conhecido como “O cantor das mulditinhas”, recebeu este apelido por interpretar todo o repertório de Orlando Silva, “o cantor das multidões”, teria cantado pela primeira vez a hoje clássica e icônica Copacabana, parceria de Braguinha e Alberto Ribeiro, mas a primeira gravação ficou mesmo a cargo de Dick Farney, enquanto Lúcio excursionava pelos Estados Unidos. Copacabana se transformaria numa precursora da Bossa Nova, graças também a personalíssima interpretação de Dick Farney.

Copacabana (1946)

(...) Copacabana, princesinha do mar/Pelas manhãs, tu és a vida a cantar/E à tardinha, o sol poente/Deixa sempre uma saudade na gente (...)

Em 1937 Braguinha letrou um choro-canção composto por Pixinguinha e que receberia o título de Carinhoso, gravado por Orlando Silva, se tornaria um sucesso que é tocado até os dias de hoje. Carinhoso seria usado como tema de abertura da novela escrita por Laura César Muniz, realizada pela Rede Globo nos anos 70, com o mesmo título e protagonizada por Regina Duarte, Cláudio Marzzo e Marcos Paulo. A versão instrumental tocada na abertura teve arranjo e execução de Márcio Montarroyos.

João de Barro compôs em quase todos os ritmos, desde o samba-canção de inspiração rural, Mane Fogueteiro, sucesso na voz de Augusto Calheiros “a patativa do norte”; ao samba urbano modernista como o citado Copacabana e Laura ambos gravados por Dick Farney em 1946. Ele também arquitetou com delicadeza a mais impressionante coleção de discos infantis, aclimatando para o Brasil histórias da Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Alice no País das Maravilhas, além de recuperar inúmeras cantigas de roda. Quem conhece não troca jamais pelas repetitivas e alienantes canções entoadas pela “rainha dos baixinhos”, Xuxa.As letras e músicas compostas por Braguinha se ouvidas pelos pseudos compositores de músicas infantis de hoje, com certeza mudariam de profissão, caso tivessem vergonha na cara. Quem não recorda desses versos que embalaram a infância de muitas pessoas, como:

Canção do Chapeuzinho Vermelho (Pela estrada)

Pela estrada afora eu vou bem sozinha/Levando estes doces para a vovozinha/Ela mora tão longe, o caminho é deserto/E o Lobo Mau passeia aqui por perto (...)

Ou ainda Os caçadores (Chapeuzinho Vermelho)

Nós somos os caçadores/E nada nos amedronta/Damos muitos tiros por dia/Matamos feras sem conta (...)João de Barro foi embora na véspera de natal. Deixará muita saudade, mas suas marchinhas e sambas-canções são imortais. Braguinha influenciou não apenas a Bossa Nova como também inspirou os Tropicalistas com a sua Chiquita Bacana.

É triste dizer isto,mas infelizmente é a verdade – yes, nós não temos mais Braguinha!

Humberto Oliveira

*Feitio de oração, composiçaõ de Noel Rosa e Vadico

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