10 julho, 2007

ALMANAQUE


ERA UMA VEZ UM CINEMA...

Era uma vez um cinema que não tinha apenas o lucro como mola mestra de sua realização. Claro que não estou querendo afirmar que os produtores do período áureo de Hollywood também não pensassem em lucro. Nada disso. Acontece que era um outro tempo bem diferente do que acontece atualmente com as chamadas “superproduções”, feitas basicamente de efeitos especiais onde são gastos milhões; atores e atrizes que contracenam para seres imaginários e fundos verdes ou azuis; diretores preocupados muito mais com o penteado do mocinho ou se o número de tiros e explosões é suficiente para ensurdecer a platéia desviando assim sua atenção dos furos do filme que estão assistindo; e pior ainda, filme este escrito por um roteirista engessado por uma fórmula gasta e repetitiva, mas que o público adora.

Claro que para cinéfilos inveterados como eu o advento do dvd veio nos salvar com o lançamento de clássicos. No entanto quero deixar claro que também aprecio muitos filmes atuais, que inclusive alguns fazem parte da minha coleção. Por exemplo o ótimo 300 (que mesmo feito com fundo azul e verde, tem uma história para contar), Homem Aranha 1 e 2 (o terceiro foi uma decepção, mesmo rendendo milhões para seus produtores). Outra detalhe que quero esclarecer é que não sou contra efeitos especiais. Sou contra o uso excessivo com o intuito apenas de ludibriar o público com produções caça-níqueis como a segunda trilogia Star Wars de George Lucas (péssimo diretor), os dois primeiros são absolutamente descartáveis e desnecessáiro. O terceiro (Vingança do Sith) ainda é o menos ruim (por sinal o único que tenho em casa).

O caro leitor pode ter certeza que se eu tiver de optar entre ir ao cinema para assistir um filme como Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado (filme que vi no cinema e que decepciona como cinema e como superprodução) ou ficar em casa revendo clássicos como Rastros de ódio de John Ford ou A felidade não se compra, dirigido por Frank Capra. Certamente preferio a segunda opção. Como atualmente os cinemas não exibem filmes clássicos como os citados então que opção nós temos senão rezar para que mesmo um filme cheio de efeitos especiais seja bom o suficiente para valer o preço tão caro do ingresso!

Os chamados “gênios do sistema” como Louis B.Mayer (Metro), Zanuck (Fox) entre tantos outros que construíram a Hollywood que presenteou o público com grandes filmes como E o vento levou...; Casablanca; Vinhas da ira; Como era verde o meu vale; No tempo das diligências; A Malvada; O Mágico de Oz; A Felicidade não se compra, Cantando na chuva, As aventuras de Robin Hood. Época de diretores como John Ford; Raoul Walsh; Victor Fleming; Michael Curtiz; Billy Wilder; Richard Brooks; e de astros como Clark Gable; Carole Lombard; Leslie Howard; Humphrey Bogart; Tyrone Power; Betty Davis, Marlon Brando, Susan Hayward; Rita Hayward; Gary Cooper; Edward G. Robinson; James Cagney; Ava Gardner; Gene Kelly; Gary Grant e tantos outros nomes que fazem parte de uma lista enorme que não caberiam neste espaço.

Por isso a minha satisfação em escrever sobre dois clássicos imperdíveis que agora temos a oportunidade de ver ou rever em DVD. São eles, A Embriaguez do Sucesso (Sweet Smell of Success) dirigido por Alexander MacKendrick em 1957, e Pacto de Sangue (Double Indemnity) filme noir realizado por Billy Wilder em 1944. O primeiro é uma crítica contundente e um retrato amargo do poder manipulador da imprensa, enquanto que o segundo mostra as baixezas de um homem que cai nas malhas de uma mulher ambiciosa e consequentemente fatal. Em ambos o percebemos o melhor do cinema das décadas de 40 e 50, época em que o cinema era inteligente em todos os sentidos, seja visual, artístico, interpretativo e em termos de direção e roteiro.

O SUCESSO A QUALQUER PREÇO

A EMBRIAGUEZ DO SUCESSO mostra o que acontece quando um jornalista impiedoso e um cínico assessor de imprensa se unem. J.J. Hunsecker, vivido brilhantemente por Burt Lancaster em um de suas melhores atuações no cinema, é um jornalista que destrói reputações e carreiras, principalmente de políticos e colunistas rivais. Mas J.J. tem um discípulo, o assessor de imprensa Sidney Falco (Tony Curtis) também capaz de tudo para alcançar seus objetivos e que quer a todo custo agradar aquele a quem considera seu “mestre”.

A EMBRIAGUEZ DO SUCESSO é um dos mais poderosos filmes realizados tendo como personagem principal um jornalista. A crueza dos diálogos e a forma brutal como o veterano colunista J.J. Hunsecker ataca seus adversários e seja quem cruze seu caminho são os grandes atrativos desta irresistível e fascinante trama envolvendo ambição, sucesso a qualquer preço, intriga e corrupção. Mesmo tendo sido realizado há 50 anos, o tema abordado neste filme continua atual. Devemos destacar, além das atuações de Lancaster e Curtis a direção segura de Alexander MacKendrick que tem neste filme o ponto máximo de sua carreira.


CLÁSSICO NOIR POR EXCELÊNCIA


Segundo o escritor A. C. Gomes de Mattos, autor do livro “O outro lado da noite – Filme Noir”, a expressão “film noir” foi criada pelos críticos franceses do período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial para designar um grupo de filmes criminais americanos a partir dos anos 40, com certos elementos, particularidades temáticas e visuais que os distinguiam daqueles feitos antes da Guerra. Podemos afirmar ainda que o “cinema noir” possui sua gênese dos livros de literatura pulp fiction ou hard boiled dos anos 30 e 40. Histórias de detetives escritas por James M. Cain, Raymond Chandler e Dashiell Hammett entre outros. Outra afirmação é que a junção de elementos de filmes policiais b e de gângster também serviram de raiz para o filme noir.

Assim como o Western precisa de um mocinho que duela no final com o vilão (Matar ou morrer), ou resgata a mocinha das mãos de índios assassinos (Rastros de ódio), o filme noir possui elementos distintos como a narração em off e o uso do flashback; a mulher fatal, um homem disposto a cometer um crime influenciado por esta mulher ou por dinheiro, e invariavelmente, o filme noir tem sempre um desfecho trágico.

Exemplos bem sucedidos do gênero, Relíquia macabra (1941), de John Huston; Laura (1944), de Otto Preminger e aquele que muitos críticos consideram a obra prima do gênero – Pacto de Sangue (Double Indemnity), dirigido em 1944 por Billy Wilder, com roteiro baseado na obra de um ícone da literatura policial - James Cain. O roteiro de Pacto de Sangue tem a assinatura de Wilder e de ninguém menos que Raymond Chandler.

Pacto de Sangue, um dos maiores clássicos de Hollywood, considerado o melhor filme noir de todos os tempos acaba de ser lançado em dvd sob licença da Universal Pictures numa versão restaurada. Este DVD traz como ótimo atrativo o documentário inédito - Sombras do Suspense com 37 minutos de duração.


A trama mostra o envolvimento do agente de seguros Walter Neff (Fred MacMurray) com a atraente, e casada Phyllis Dietrichson (Bárbara Stanwyck). Phyllis convence Neff a elaborar um plano para assassinar seu marido, depois desse fazer um seguro de acidente pessoal. O objetivo é ficar com o dinheiro do seguro. Mas o plano não sai exatamente como planejado levando a um desfecho trágico e surpreendente.

Indicado a sete Oscar, incluindo melhor filme e atriz; Pacto de Sangue tem inúmeras qualidades, como o excelente roteiro do escritor Raymond Chandler (À Beira do Abismo), a femme fatale vivida por Bárbara Stanwyck, o cinismo de Fred MacMurray, a presença de Edward G. Robinson, a direção magistral de Billy Wilder, a trilha sonora de Miklos Rozsa e os figurinos Edith Head.


Billy Wilder faleceu em 28 de março de 2002 em Hollywood, devido a uma pneumonia. O diretor dedicou maior parte de sua vida ao cinema, escrevendo, dirigindo e produzindo filmes, enfrentando a censura, o moralismo e a perseguição para levar ao público mais do que entretenimento fútil. Wilder cumpriu a promessa que fez ao funcionário da embaixada norte-americana que lhe concedeu o visto em 1934 e permitiu que permanecesse em Hollywood: escrever “bons filmes”.



ABAIXO RELACIONO QUATRO LIVROS ABORDANDO A OBRA E A VIDA DO DIRETOR.



Entretenimento inteligente: o cinema de Billy Wilder, de Ana Lúcia Andrade. Editora da UFMG, Belo Horizonte, 2004.


Ninguém é perfeito: Billy Wilder – uma biografia pessoal, de Charlotte Chandler, Landscape, São Paulo, 2003.


Hollywood: Entrevistas, de Michel Ciment. Brasiliense, São Paulo. 1988.


Billy Wilder: e o resto é loucura, de Hellmuth Karasek, DBA, São Paulo. 1998.



RELACIONO TAMBÉM FILMES DE BILLY WILDER DISPONÍVEIS EM DVD:

Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944); Elenco: Fred MacMurray, Barbara Stanwyck, Edward G. Robinson.

Farrapo Humano (The Last Weekend, 1945); Elenco: Ray Milland, Jane Wyman, Howard Da Silva;

A Valsa do Imperador (The Emperor Waltz, 1948); Elenco: Bing Crosby, Joan Fontaine, Roland Culver;


Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950); Elenco: William Holden, Gloria Swanson, Erich Von Stroheim


Sabrina (Idem, 1954; Elenco: Humphrey Bogart, Audrey Hepburn, William Holden

O Pecado mora ao lado (The seven year itch, 1955; Elenco: Marilyn Monroe, Tom Ewell, Evelyn Keyes

Amor na tarde (Love in the Afternoon, 1957); Elenco: Gary Cooper, Audrey Hepburn, Maurice Chevalier.

Quanto mais quente melhor (Some Like It Hot,1959); Elenco: Marilyn Monroe, Tony Curtis, Jack Lemmon.


Humberto Oliveira

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