03 janeiro, 2007


Nelson Rodrigues o eterno retorno

Quando Nelson Rodrigues faleceu em 1980, aos 68 anos, havia escrito 17 peças, entre as quais, a obra que se tornara em 1943 o marco inicial do Moderno Teatro Brasileiro – Vestido de Noiva e ainda encontrou tempo para escrever os contos diários de “A vida como ela é”, crônicas esportivas, as memórias, romances sob o pseudônimo Suzana Flag e muito mais. Com tudo isso, Nelson acabaria vítima de uma de suas famosas frases em que ele afirmava “toda unanimidade é burra” - isso mesmo, Nelson Rodrigues, mesmo que tardiamente, passaria a ser uma unanimidade nacional.

Nelson Falcão Rodrigues nasceu em Recife em 1912 e com seis anos mudara para o Rio de Janeiro com a família. Seu pai era o jornalista Mário Rodrigues, que viera antes para assegurar um emprego para assim poder sustentar a mulher e a prole. Mário Rodrigues logo se faria notar. Rapidamente adquiriu seu próprio jornal, que recebeu um nome bem apropriado – Crítica – que, seguindo linha editorial sensacionalista, acabaria ocasionando uma tragédia.

Numa manhã de 1929, quando Nelson contava ainda com treze anos de idade, mas já trabalhando como repórter de polícia no jornal do pai, o irmão Roberto foi baleado no estômago em plena redação por uma mulher chamada Sylvia Serafim, que fora ali para exigir satisfações de Mário Rodrigues sobre um artigo publicado e, segundo ela, acabara com seu casamento. Sylvia não encontrando Mário, para não perder a viagem atirou em Roberto, que agonizou três dias e morreu. Alguns meses depois, inconformado com a morte do filho, Mário Rodrigues também morreria e segundo Nelson: “morrera de paixão”. Na verdade, se sentia culpado, pois aquele tiro era para ele. Essas foram apenas duas tragédias entre tantas que ocorreriam na vida de Nelson Rodrigues e iriam influenciar sua obra.

Em 1942, Nelson estréia com a peça A mulher sem pecado, que logo sairia de cartaz. No ano seguinte, aconteceria o que muitos críticos e estudiosos do teatro passaram a chamar de revolução na dramaturgia nacional com a apoteótica estréia de Vestido de Noiva, levada à cena por grupo de amadores denominados Os Comediantes, sob o comando do diretor e ator polonês Ziembinski. A peça, a princípio, deixou os espectadores confusos, pois os acontecimentos se desenrolavam em três planos distintos: o da realidade, da memória e da alucinação. A ousadia do autor foi recebida com elogios fervorosos da crítica da época.

Então Nelson escreveria Álbum de Família. O autor, que fora chamado de gênio, agora passava a ser tratado como um tarado. A peça acabou interditada durante quase quatorze anos. O dramaturgo teria outras de suas obras censuradas, não apenas peças, mas romances como O Casamento (1966) e Asfalto Selvagem (1959/60).

Nos anos 50 surgiria a coluna “A vida como ela é”, contos publicados diariamente no jornal Última Hora, que quarenta anos depois (1996) seriam adaptados para televisão pelo roteirista Euclydes Marinho e direção de Daniel Filho. E não era a primeira vez que a televisão mostrava as histórias de Nelson Rodrigues. Em 1964 a TV Rio levaria ao ar as novelas Sonho de Amor e O Desconhecido, no ano seguinte mais uma novela escrita por Nelson seria exibida também pela TV Rio - A morta sem espelho. A Rede Globo também exibiu uma novela baseada no folhetim O Homem Proibido de 1982, numa fraquíssima adaptação de Teixeira Filho. Dois anos depois Euclydes Marinho adaptaria Meu destino é pecar. Em 1995, seria a vez de Engraçadinha seus amores e seus pecados com roteiro de Leopoldo Serran, também para Rede Globo. Podemos incluir ainda a versão televisa de Vestido de Noiva (1979) adaptada por Domingos Oliveira para a série Aplauso, e A Paixão segundo Nelson Rodrigues (1981) de Antonio Carlos Fontoura que adaptou os contos Um grande amor e Último desejo.

O cinema também beberia da fonte rodriguiana. Filmes como Toda nudez será castigada (1973) de Arnaldo Jabor e Boca de Ouro (1962), dirigido por Nelson Pereira dos Santos, constituem as melhores adaptações cinematográficas baseadas na obra de Nelson Rodrigues. Mas em se tratando de sucesso comercial podemos citar: A Dama do Lotação (1978) e Os Sete Gatinhos (1980), ambos dirigidos por Neville D`Almeida, que apesar de arrastar multidões aos cinemas, tratou de esvaziar o conteúdo das peças em prol de um erotismo barato bem típico do seu cinema. Outras peças e contos do dramaturgo transformados em filme foram: A Falecida (1965), de Leon Hirszman, Beijo no Asfalto (1980), de Bruno Barreto (a mesma peça havia sido levada ao cinema com o título O Beijo em 1966 com direção de Flávio Tambellini). As adaptações mais recentes foram os fracos, Traição (1998), dos estreantes: Arthur Fontes, Cláudio Torres e José Henrique Fonseca (Conspiração Filmes) e Gêmeas (2000) de Andrucha Waddington. Ambos baseados em histórias curtas.

Em 1981, um ano após a morte de Nelson Rodrigues, o diretor teatral Antunes Filho levaria ao palco uma das mais ousadas e bem sucedidas encenações da História do Teatro Brasileiro, a montagem de Nelson Rodrigues – O Eterno Retorno, que reunia quatro peças do dramaturgo (Toda nudez será castigada, Beijo no Asfalto, Os Sete Gatinhos e Álbum de Família) num espetáculo com quase quatro horas de duração. Nelson chegou a assistir alguns ensaios e a pedido de Antunes, gravou a chamada de abertura da peça. Os espectadores eram surpreendidos com a aquela voz rouca que ecoava pelo teatro dizendo – “eu sou um romântico do Meyer”. Melhor impossível.

Em 1993, o ator e diretor cearense Ricardo Guilherme dando continuidade as atividades do Teatro Radical Brasileiro encena Flor de Obsessão (uma das formas como Nelson se autodenominava), que consistia de cinco contos de “A vida como ela é” (Morte pela boca, Para sempre fiel, Unidos na vida e na morte, Missa de sangue e A Esbofeteada), onde Ricardo interpretou todos os personagens, surpreendendo a todos com sua performance.

Outro espetáculo digno de ser mencionado entre os melhores realizados, tendo como base à obra de Nelson Rodrigues, chama-se As Quatro estações das flores, montagem do Grupo Cirandas, que veio de Brasília para participar do Projeto Palcos Giratórios desenvolvido pelo Sesc com a finalidade de trazer para Porto Velho, grupos e espetáculos de outros estados. O Grupo Cirandas, formado por oito moças, pesquisaram a fundo a obra rodriguiana, optando por dar voz às personagens femininas que habitam o universo do dramaturgo, que os mal informados acusam de machista, imoral, reacionário, entre outras bobagens dignas dos “idiotas da objetividade”.

As Quatro estações das flores é uma colagem que desenvolve o encontro de personagens como a prostituta Geni, de Toda nudez será castigada, a colegial Cilene de Os Sete Gatinhos, a ingênua Ritinha de Bonitinha, mas ordinária, a oprimida Lídia de A mulher sem pecado, a preconceituosa Virgínia, mulher que assassina os filhos em Anjo Negro, Zulmira, “a morta que pode ser despida” de A Falecida, a invejosa Dona Flávia de Dorotéia e ainda Celeste, a ganhadora do concurso de seios em Boca de Ouro e Tia Ruth, que foi possuída pelo cunhado bêbado, que agradecida passa a lhe arranjar jovens de 15 anos para que ele as deflore, em Álbum de Família.

O citado grupo também usou de forma engenhosa e coerente algumas frases de Nelson Rodrigues como: “toda mulher gosta de apanhar”, “a mulher fria é a única que não pode ser infiel”, “o sexo nunca fez um santo, o sexo só faz canalhas”, entre outras que foram extraídas do livro Flor de ObsessãoAs 1000 melhores frases de Nelson Rodrigues, editado pela Companhia das Letras e organizado pelo escritor Ruy Castro.

O Grupo Cirandas obteve calorosa aceitação do público presente na quadra do Sesc Esplanada em Porto Velho, sábado, dia quatro de junho e por sua originalidade As Quatro estações das flores é desde já um espetáculo que garante a Nelson Rodrigues, o seu eterno retorno.

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